30.12.10

filhos de meu pai, aqui em cima o sol queima, a tijoleira queima, estou descalço, são quatro da tarde, é bom não esquecer. engulo em seco. o raio da cervejinha sabe mesmo melhor no verão, na praia, com aqueles de quem se gosta, ou então o que digo é que ainda não domino a máquina - ela nunca me dominará.

29.5.09



acerca do sofá e do espelho, dirigir o joelho.

28.5.09







..

22.10.08



mala entendida



fast forward festival film 08

7.8.08



tempo de palavras lufadas breves de ar: alaeeii..

5.5.08



mother's day



8.4.08



ouvir até fartar, sentir e registar



26.3.08



um homem-chuva



7.3.08





(Helena Carneiro)
Panque

5.3.08



o ser, o parecer e o julgamento

julga-se muito facilmente: tu és isto, aquele é aquilo e o outro é aqueloutro. não há meios termos. arrumam-se assim as ideias, aglutinam-se assim energias, procura-se assim decifrar o mundo e as pessoas, acalma-se assim a capacidade de duvidar e de reflectir. e o pensamento e entendimento demorados, difíceis, não alinhados com agendas mediáticas ou políticas, não lineares? báh! não há tempo para isso.

29.2.08



a forma



disse aguenta isso aí amparando-se na mais bela mulher sua mulher mas de forma que faço tudo o que souber. desceram a rua sacudindo um último vento, eu pelos caminhos inversos ao do de fato de treino e camisola branca que avisto esfregando freneticamente o rabo com galhos de igualha incerta, aguenta isso aí caminhando firme a pedra branca e preta de forma que nos valha

26.2.08



é aquilo um "professor revoltado"? que vergonha!

1.2.08



Tens um glorioso passado futurível
mas não fiques de colher suspensa
que a sopa arrefece.

Alexandre O'Neill, "A Saca de Orelhas"

13.1.08



cheganço, afastanço

as minhas pernas sempre foram membros independentes do meu corpo. isto é, apesar do que aparente do cimo da cintura, abaixo tudo vai a um ritmo próprio. espécie de último bastião da maior liberdade - o exercício de mim. chato é quando me aproximo de modo definitivo de uma cachopa e logo a singularidade dos passos achados me leva ao ritual bastante ridículo do afastamento. as minhas pernas sempre tiveram a mania.

8.1.08



vejo lá o médico político vaidoso armado a líder dos que se opõem por inerência conjuntural e decido ir cagar

6.1.08



o grande luiz pacheco foi ali e já vem

31.12.07



2008: que se encontre tempo e espaço para a invenção, para a criatividade e para a ousadia.

16.12.07

o futsal salva-me o benfica!

10.12.07



a vivien vyle é um amor. a vanessa fernandes também. são dois amores.

6.11.07



mais um grande joaquim furtado

21.10.07

onde anda o amor?

14.10.07



bom dia
bom dia

30.6.07



O facto é um só, mas a sua leitura é múltipla. Donde resulta a importância de abrir a imaginação a outras representações, tanto do passado como do futuro.

23.6.07



vai rija a festa

foguetes, berros, cantigas, estrondos, cães assustados, adolescentes imitando claques de futebol, raparigas correndo atrás de rapazes, fogo de artifício...

19.6.07



danço eu contigo, chavela vargas:
os gestos lentos, os lábios na máxima
concentração dos passos em busca de ti.

dás-me os dedos pequena chavela
e eu agarro toda a minha vida,
volteio que um sorriso excedi,
giro e giro e desamparo.

11.5.07



corredor

a meninice é uma narina atenta ao ar quente da noite, maneira de seguir acidentais palavras, pequenos conjuntos de palavras que formem uma particular co-essência. o encontro com a crença funda o hábito de pensar, de não vergar à diminuída condição humana. a meninice é um corredor.

6.5.07



acontece-me - poucas vezes - acordar a meio da noite e escrever. a última vez foi assim:

os amigos acham que perdi o brilho;
ou mo dizem na cara
ou sentem-no na pele.

25.4.07

nasci no verão de 73, altura em que se começaram a desenvolver as estratégias que viriam a culminar no 25 de abril, 9 meses depois. sou um filho da revolução. sou da liberdade. obrigado mais uma vez capitães de abril. obrigado salgueiro maia.

11.4.07



ir ao parque ler o jornal com
o calor das onze horas, estender
o lápis pelo papel, adiar o começo
do dia e a noite

lenta e volumosa, logo da luz própria
vestida, a jorrar directrizes
angulosas difíceis de apanhar.

voltar pelos juvenis campos e lembrar
de ser pássaro, afinar a garganta e
voar.

10.4.07



- e agora?
- eu cá desisto.
- ...?
- deixo-me, fico-me, ouço, permito, olho, vejo, disfarço! viro-me, abano a perna, percebes!?
- o que que queres beber?
- bebo de tudo; como também. tudo. e bebo. um whisky, talvez.
- tens saído à noite?
- pouco. o àlvaro anda estranho.
- ...?
- e o brito sempre a resmungar, que não é nada disso e não sei quê, ora foda-se!
- mas és um noctívago, eu sei...
- ui!... tá certo!... mas só aturo quem quero. aliás, nem sempre apetece ver gente. tenho um grande aquário e passo horas a admirá-lo. e às minhas plantas.

2.4.07

menos de duas mil pessoas tentaram estragar a noite. aborrecidos com o local que lhe se lhes destinou no estádio, os mais violentos destes, os mais alarves e selvagens, atiraram vários petardos sobre os adeptos indefesos que se situavam nas bancadas imediatamente abaixo. ao rebentamento de um proibido e perigoso petardo sucedeu-se o rebentamento cadenciado de diversos outros, gerando naqueles que iam apenas ver um jogo de futebol, um sentimento de medo, de insegurança e de revolta que não pode voltar a acontecer. A polícia não previu devidamente os riscos inerentes? talvez. mas isso não desresponsabiliza os actos cometidos. essas bestas mal comportadas, protegidas cobardemente pelos seus dirigentes, não devem voltar a colocar os seus pés (a sua falta de civismo, a sua delinquência) nos recintos desportivos. nunca mais na catedral.

28.3.07



e lá se foi

dissecado o parreco, anuncio outros dias: acordo cedo, de manhã, e amanho-me vitorioso e reclamante de taxas de regulação e supervisão mas afinal não. alimento-me bem, faço a barba ao fim da tarde e suponho-me pronto ao carácter da minha evolução.

24.1.07



intervalo

não digo que mato o hiato, digo que esfolo o miolo, esfarrapo o parolo, disseco o parreco, dissemino o menino, enfim, vou ali e já venho.

20.11.06



olarilolela

na casa verde clara escura
do medo subtraído à praça
plena de pessoas
a regressada senhora afogueada
olha-se ao espelho:
o medo senhor
o medo fidalgo
o medo deus
o medo que a olha do outro lado
e a senhora gelada
na casa verde clara
escura do medo
agora mais calma
eu consigo pensa a senhora
eu consigo pensa o medo

8.11.06



o pintor bonito

a calçada húmida sugere-lhe os edifícios que choram e então ele pensa
muito nos edifícios que choram e nos que não choram e depois prepara
os passeios e as conversas onde o olhar se demora nas margens e com
isto falo do arrebatamento

cristo não jogava andebol e no entanto jogava e por vezes os monólogos
eram fotografias a preto e a branco de jardim ou jasmim consoante o
incrédulo impulso antecipativo: pincéis e mãos cinzelados pela dança
convulsa e certeira

dos sonhos solicitados à agrura dos dias e das noites efectua-se a
divisão correcta e então uma determinada melodia projecta as sombras
das personagens que vão sendo incorporadas e do que sobeja e se deseja
e se implica e levita pode referir-se a lucidez

25.10.06



if

talvez se falasse se mais tarde nós nos
fossemos um pouco mais daqui
e embora para outro lado

se ouvisse se ouvido com atenção que
havia qualquer coisa a mexer com
os nossos braços frágeis mesmo nus
encostados ao peito de um ulterior outono

talvez não te largasse nunca mais dos braços
se dos braços te ao largar te perdesse
e essa fosse a pergunta que me fizesses
e te visse nos nossos olhos a resposta

que haveríamos de sorrir como se houvéramos
gostado muito do abraço de movimentos lentos
de que se falasse se mais tarde nós gostássemos

17.10.06



a van quê?

a vantagem de ventilar
a vânia à vinda de
vâncouver e a vontade
da vanda em vomitar


chuva

da obliquidade
extrair a lucidez

ouvir a lamúria do vento
que anuncia um novo tempo

19.9.06



(nas costas do recibo do multibanco)

a causa da pausa do sousa respeita à dúvida que nele pousa: do modo estanque ao arranque que espreita, quem solicita o que apenas levita?

25.8.06



de olhos fechados

as árvores são sábias no seu quietar
as águas são livres e movimento
eu estou de pé e sonho

12.6.06



cândido ou então rosa maria,

certo certinho é que se via despido.
a sua rata, o seu piçalho?
manda o agasalho
que isto ainda vai lá.

ou então assim:

23.5.06



o rosto do debate

dos cochichos dos jornalistas retenho que "isto vai dar merda", segundo o temeroso ricardo e que "correu bem, correu bem", cálculo de emídio. o pacheco recolheu-se, esperto. o professor carrilho dá aula a ricardo. um bailarico de se lhe tirar o chápéu! que cheirinho a liberdade!

4.5.06



a caca

é de caca este tempo de
caca esta gente de caca estes
dias de caca. acrescente-se
a caca do jornalismo de caca:
resta apenas o silêncio

23.3.06



a pausa

da pausa:

1
Dá-se o impulso para as palavras expulsas, finalmente. Quando se dá, dá-se sempre absolutamente.

O gajo iraniano ameaça. O nuclear francês vocifera. O benfazejo padeiro cumprimenta-me. Aceno. Que vou ali pensar um pouco, engulo. Levo pelo frio a voz da senhora que ouvi na antena dois, um espanto.

Compro café, cigarros. Vejo notícias. A estrábica do sítio refere a possibilidade de partir a cara à sua filha. A dita saltita: e eu parto-te o cu. Devolvo-me ao exterior. Tudo como dantes.

Discutem o país, no aparelho. A nossa identidade. Depois uma espécie de luto tolda-nos uns dias. Ganhou o vácuo. E então, de repente, o clássico dos clássicos! No aparelho. Um modo que basta. Transcende, na verdade. E no entanto, os vermelhos perdem. E agora? Que dias estes…

2
E se mantivesse com um microfone uma relação de amor que me fizesse cantor ocasional, e se pintasse e o fizesse como se apenas isso importasse, e se só a arte importasse e a luz sobre braga, desse o que desse, fosse ar que se respirasse?

A informática veio em pessoa apresentar-se. Tecnológica. Importante. Um senhor sentado a meu lado bebe uma mini e então resmunga-se assim: “Os teus gestos são vastos mas miúdos de imbricamentos, parcos e sobejos mas tão gastos e já lentos”. Acerca da mecânica tenho que dizer ou falar da pintura: vai-se a pé.

O riso é afinal início ou vício ou quase isso, ou então o riso é aos soluços a solução. Um remédio para o tédio, um relógio num refúgio. Isto demorando a água quente e o Wagner sobre mim, medindo o acerto de um anoitecimento possível. Ei-lo, de súbito: livros e pernas cansadas do frio e da espera, um recolhimento mais ou menos pontual e familiar; uma cidade que se distende, outra que se prepara. O termo é em geral o silêncio.

3
Deve ser noite. Morre-se de frio e promete-se vingança. Aqui e ali. Ouve-se um piano. É o piano da embaixada. Deve ser dia. Tempo de atacar, de distrair, um tempo de composição. Sustento, Saber, Saúde, clarifica Agostinho. No outro dia foi Mozart quem me salvou.

Os meus desenhos dão-me muito trabalho, não se metem em facilidades. Demoro assim: o homem nasce para criar e isso basta. Pois. Quem não largava a antena 2 era o Alba, companheiro das rotas de Agostinho. Que a vadiagem, dizia este, é coisa vantajosa. E faz-se de sabedoria.

Consagro que sem apoios, sem contar com a jubilosa alegria dos apoios, é mais penoso, isto. Faz-se o que se pode. Poda-se. Julgo que vou assim, por caminho ínvio e papel impecável. Amanhã o cachorro adormecido à porta da Laura vem viver comigo. O meu animal chega-me desta forma. Como o vou chamar? Agostinho? Da Silva.

3.3.06

ao trigésimo desnorte contentar-te-ás com a brisa: um determinado casaco ao vento sob a noite acertada

15.2.06



ao agostinho da silva

o ideal seria não ser visto
e em terras de sal
e em terras de xisto
não ser visto seria o ideal

3.2.06



psiquiatria

dizer assim: quem sou eu?

24.1.06

o vácuo

diz: está mal. depois: tenho confiança. ganha.

10.1.06



apontamento circunstancial sobre os media

o senhor santana na sic-notícias assume-se senhor sendo o dito santo afinal apenas silêncio. o comando (isto acontece) apagou-lhe a voz. música, pois. ça ira.

28.12.05

procura-se OBLÍQUA

e encontra-se: na velha-a-branca, no café chave d'ouro, no insólito-bar, na tabacaria dina (shopping santa tecla), no deslize-bar, nos quiosques ao sotto mayor (tribunal), na universidade do minho, quiosques da arcada e através de um conhecido perto de si.

22.12.05



vésperas. ou: estou aqui estou a pintar (esgar pif'halhado)

ai ai que ansiedade!! ai ai ui pim pum tai zi nai trum..

7.12.05

farto-me da cama e do piano ali ao lado. o desenho levo-o comigo. vou ver pessoas. arejar esta cabeça.

6.12.05



vinte e duas e trinta e três do mesmo dia, afinal

uma espécie de gente telefona para a minha
rádio e diz coisas sobre futebol. parece que um clube
ali ao lado saiu da europa. como quem diz, não é?
não vejo interesse no assunto. não gosto
nada sequer desse clube. viro-me para a antena 2.
amanhã é outro dia. amanhã é o dia.
qualquer semelhança com o desejo imenso
de que o glorioso clube de todos nós, amanhã,
aniquile os tipos lá da ilheca, é pura ingenuidade.
trata-se de outra coisa. pois é.

5.12.05



três e vinte e seis da manhã

tenho há minutos, modo trémulo-esfusiante, o cd com o número zero da minha querida OBLÍQUA. parir é importante. encontro um momento do seu nascimento:

fechar os olhos:
assistir às ideias e aos néons,
esgalhadamente.

ondulação de quatro
metros em braga
ou mínima de

uma paixão fulminante
e atenta.

30.11.05



avaliarão da minha sorte, se assim entenderem. eu limito-me a relatar coisas:

chego a casa a estas horas a uma terça-feira (um quarto para as cinco da manhã). moro com duas pessoas geniais, o que simplifica tudo. estes meus grandes amigos namoram pelo que não é raro sermos cinco cá em casa, o que me faz feliz. todos dormem agora. amahã um acorda pelas sete, outro pelas oito e elas não faço ideia. eu tenciono levantar-me pelas 11. o charlie (chaplin) e o tati (jacques) são os nossos gatos. dormem juntos, neste momento. (diga-se que o charlie é um senhor gato - apesar da pata que amanhã vai ao veterinário - e o tati é um pequerrrucho muito belo). hoje à noite não fiz nada de especial - remeto-me à noite, senão seria fastidioso. fui ao único café em braga que é café a sério, estive com um espanhol bem intencionado e um português interessado, para além da leandra e da susana. antes de o lukas se sentar na nossa mesa, a laura e a maria joana, entraram, vacilaram e afastaram-se. depois falei com o lukas e foi bom - eu gosto daquele rapaz - e avancei então para as meninas mesmo amigas. continuei o desenho que quase acabara e fui jogar matrecos. ganhamos quase sempre mas depois perdemos e então fomos ao querido insólito. da sala vazia em que, aninhando-nos, se vislubrava o pinto, acenei. paguei e saí e vim e estou aqui a dizer o que me apetecer, estou aqui a dizer o que puder dizer. está frio o meu quarto. ouço já o solo piano do grande gonzales. o pijama não está no aquecedor. não sei o que hei-de fazer. vou fumar um cigarro e pensar em frases para adormecer. já é tarde..

25.11.05

olaré

dizer que me desculpem
dizer que estou bem
dizer que me recomendo
dizer obrigado

26.9.05



era importante estar (des)cansado ao fim do dia..

16.5.05



outras vezes sim

às vezes mordo-te os ombros
mas não estou seguro que seja
assim como nos filmes
tudo nos momentos certos
os beijos num crescendo de roupa
abandonada lentamente

26.4.05



dizer pausadamente o mundinho

pouso a revista em cima da pilha húmida de jornais pousados no pequeno banco de madeira que fiz com as minhas mãos há anos, tantos que não me interessa contar. em cima da revista que sai aos domingos pouso o telemóvel de todos os dias e um cinzeiro azul. que é isqueiro, afinal. isto passa-se na casa-de-banho praticamente impecável. na volta apressada pela frase inscrita de repente nas veias, interrompo tudo para que tudo respire como deve ser, coisas de educação física refinada. elevo então o banco da cadeira que uso em frente à janela que me inunda de sol de vez em quando. hoje não.

1.12.04



obrigado sampaio

isto não podia continuar assim, de facto. termos no governo quem não saiba governar, bem, isso não é propriamente uma grande novidade; termos em s. bento um indivíduo cuja única mais-valia consiste na sua pretensamente intocável inteligência emocional, um indivíduo cujas competências assentam na ideia que o próprio faz da extrema importância da sua imagem e do timbre da sua voz, um indivíduo que não serve para absolutamente mais nada que não seja apaparicar as publicações mais desinteressantes e com mais falta de nível, isto se descontarmos a sua grande habilidade, reconheça-se, para desbaratar as contas das infelizes instituições que o acolhem/escolhem, um indivíduo destes não merece muito mais que isto: adeus, seu bardamerdas, vai à tua vidinha e não voltes!

25.11.04



distante proxémico

agora que deves ter ido para dentro
eu respiro sôfrego o fundo de ti.

10.11.04



da gaja e do muro



proclamar a suprema inquietude: um amor que ferve
em olhares e em sorrisos e em aproximações
de musgo e de tardes perfeitas

dizer alto e bom som que os muros também se abatem
(obrigado roger waters)

3.11.04



gaja giríssima - 1

escrevo com os olhos postos nos passeios
que percorres e vejo-me passeante.
pego uma ventania que me leve pelos ares
e depois somos dois.

27.10.04



tens um minuto para te deitar ao meu lado

aos infindos abeiramentos subtraio a
distância que o seu corpo me dedica:
sobra a dobra e o vinco no cobertor
banhado de silêncio e desejo.

21.10.04



sim, estou a pensar em ti

quando os dias me chateavam os pés
eu movia-me nas pegajosas tardes da
caligrafia dos nossos beijos dúbios.

supunha-te quase sempre e dizia-te
amo-te salvo erro ou então bastava
olharmo-nos ligeiramente.

hoje despisto-me de cabeça
em todas as tuas luas,
soergo-me e lá vou eu.

27.9.04



monday

o bicho preto dos oito sussurros
foi embora sem que lhe tivesse apetecido
e portanto eu também. os primeiros
minutos deste dia viram-no e depois
já não houve regresso - o bicho preto dos
oito sussurros foi embora. eu agora não sei
dizer coisas bem ditas. não vou dizer coisas.
nada.

22.9.04



que calor

quase dois meses depois volto aqui para dizer que não sei por que volto aqui. et voilá!

28.7.04



um e meio ou menos (porque sim)

como se os dias de amor tivessem sido curtos
demasiado curtos os dias de amor como se
brócolos salteados em azeite e alho banidos
tivessem sido demasiado curtos os dias

um primeiro ciclo que se fecha nervoso miudinho
pela perna acima, um segundo que um terceiro
despacha um quartinho de vinho que isso passa por ali
e depois vira à esquerda

um pouco mais e nem sempre do mesmo, como se
detido como se atado e contudo feito como se faz
aos brócolos salteados ao arrozinho e tudo isso

um mês e meio disto e daquilo dá desta e daquela
agora é que me não safo ou me passo ou me brinco
de tanto e então canto como se os dias de amor
tivessem sido demasiado curtos os dias

23.7.04



até sempre!

beberei aos teus verdes anos,
mestre do lamento possuído,
senhor guitarra,
senhor música.



maré vaza

ao meio-dia o gin tónico pede mar

22.7.04



procedimento zero vírgula um

não esquecer de cair



oito vezes sete?

sondo tardiamente o torpe torpor instalado
e concluo-me vertigem

15.7.04



meu amor não é tarde

meu amor não é tarde nunca para te dizer que as ruas
estão falecidas e as pessoas recolhidas do vento que sopra
das folhas caídas que assobiam músicas distantes
e frias e que eu não tenho sono não consigo

os regressos a casa fazem-se pelos caminhos dos passos
que ficaram por dar
engendra-se demoradamente um súbito recanto ao luar
onde duas pessoas se olham e beijam

são as noites que me recordam as tardes
que julgávamos sem fim as manhãs em que nos deitávamos
e nos deixávamos assim ficar um outro de nós

13.7.04



voo vezes dois



há homens e há mulheres
que são pássaros

e é vê-los agitando as asas do desejo
e do despojo,

traçando com arrojo os rumos da liberdade

25.6.04



POORTUUGAAAL!!

E se de repente lhes oferecessem flores?

23.6.04



europeu na avenida central

do alaranjado festim: ploc ou plim?

21.6.04



Olé!

15.6.04



o sol d'o estrangeiro

disse que nem pensar numa coisa dessas e foi em frente. debaixo do sobreiro arrancou a camisa e as calças. deitou-se. quando acordou estava num quarto pouco iluminado. disse que nem pensar numa coisa dessas e foi embora. no balcão da tasca pediu vinho. bebeu vinho. quando parou disse o que disse mas ninguém o ouviu.

19.5.04



ao trigésimo desnorte far-te-ás ao vento

ao final do dia penso no final dos dias cansados
de mim e de todos, os dias levantados da sombra
que não sabemos determinar, os dias pintados
das cores que não temos nem somos. regresso
pelo caminho de um campo lento, medindo
os passos e as palavras e os pássaros
dizem-me então, muitas vezes, vai
lá embora daqui! fecho os olhos
nas passadeiras que atravesso,
digo que sim, vou, e depois
choro e depois rio e
depois não.

14.5.04



Oh

Oh! Mas que coisa mais linda!

10.5.04



aos causídicos da lindeza

penso pensar dispersivamente ao ralhar substantivos
logo intervalados pelos dados assim lançados pelo sono
das vozes apressadas que buscam querenças
de súplicas entrelaçadas de hortênsias razoavelmente
polidas e desconhecem o imo inimitável das coisas
acontecidas ao ritmo do infecto de remansos desatino.

como quem não quer a coisa adoço o passo
que mais não posso e olho no traço de um vesgo braço
um derradeiro juízo e lembro-me bem, agora sim:
rua da grande liberdade, número plim.

26.4.04



UM PEDREGULHO

da tarde morena em que quiseste voar
para verificar outras andanças
sobrou a etérea quimera de ti:
um silêncio meio picotado e afinal
descrente de correntes de ar
que se respiram pelo ocular lado
do entendimento.

que os lírios do campo frequentem
teus terrenos e te ensinem as
canções de amor!

20.4.04



quero escrever, só quero escrever

como há já muito me não acontecia: tudo arde!
primeiro vem a névoa que logo se adensa
depois a vertigem e um cansaço quase tiro
na nuca que é como quem refere a percepção
absoluta da vida a esvair-se, a puta
da vida a caminhar rasteira e comezinha..

caminhasse eu pelas ruas anoitecidas e inverificáveis,
torcesse eu as tripas e delas fizesse poesia e meia
horita me bastasse para a acidental ligeireza
ser vertical cumprimento de olhos que se olham há já muito
ah, se eu não aparecesse para jantar e logo partisse
e logo me encontrasse e reparasse que isto se dá e dá-se
para logo se não dar...

uns dias mais disto e invento o raio da invisibilidade!

17.4.04



um beijo muito grande para ti, joana. grande, grande. um beijo.



escrito há uma data não especificada de tempo

este bem podia ser um texto dedicado a ti, um conjunto
de palavras que te enaltecessem de tal forma que supusesses agora mesmo e sorrisses agora mesmo e esse sorriso se estendesse no tempo, pairasse à minha frente, imperturbável e apto.

a verdade é que não me lembro dos mecanismos que me facilitam perante os sorrisos ambíguos, que dão mas tiram, que são mas não.

é quando os nossos lábios se cruzam no nosso olhar que logo se potenciam os prolongamentos felizes e ternos e plenos; quando se apercebem, porém, anulam-se derradeiramente.. não conheço coisa mais triste.

14.4.04



E COISA E TAL

nightmares on wax à uma e meia da manhã. nos compassos de pausa musical manifestam-se galinha e cão. problemas com o sono, certamente. os meus são esses e outros. les uns et les outres. e coisa e tal.

voltas a acenar-me assim e desencadeio o processo finalíssimo: volteio derradeiro sobre teus braços de algodão e penas e um frémito e um aperto e um volteio mais que isto passa.

antes e depois disso há tudo o resto, curiosamente. ou não. não importa. o amigo do rex não se cala. julgo que fala com os antepassados. meio lobo, meio parvo.

4.4.04



jantamos?

queria dizer-te tudo nestas manhãs sem sono, amarrar-te as mãos e levar-te pelas ruas sem gente, trincar pão fresco e dizer-te tudo e então descobrir que afinal nunca saíramos da cama. esticar-me em ti, puxando-te lentamente. buscar-me na definitiva perfeição do teu sorriso. queria muito.

17.3.04



CHOVE NA CIDADE DOS PINTORES

chove na cidade dos pintores que enlouquecem pelas ruas brandindo cálices desatinados e oblíquos. é já certo que o mar dista vários quilómetros de terra húmida, asfalto roto. longe da vista, longe do esquecimento: os pintores e os poetas precisam da água salgada a correr no sangue, as algas e os líquenes em dizeres absolutamente estudados, a fugir das memórias, a lembrar a chuva na cidade dos pintores que enlouquecem pelas ruas.

28.2.04



cem anos mais setenta e um anos, tanto

(quando o barulho do mar não me deixa dormir
encosto a cabeça na areia suave
amanho almofada joelho justeza
e deixo-me ir)

às vezes tenho frio durante a noite
como se me destapassem me despissem
e dissessem para não dormir

acaricio a perna contra os lençóis de vento miudinho
(lentamente, não se o sujeite a si)
penso em palavras em sons de palavras agudas
vibrantes vitais

e tal sucedimento antigo e recente
que se impile, se arrole, se então
pois então

27.2.04



um insecto engavetado

Eu sou o insecto que estremece
na teia que teces como ninguém.
Sou eu que ansiosamente aguardo
a voracidade que me é merecida.
Nesta parte de mim que desconheces
teço as conjecturas várias que se me põem.
Daí que só o brilho intenso do teu olhar
afague este desorientado simulacro,
como se me percebesses...
Daí viver em constante fervilhar,
teorizando sobre os estímulos corporais
que em resposta à tua presença acontecem.
Manifestando obsessivamente inquietudes,
querendo perceber o que de mim percepcionas.
Sem ter tempo para ser simples.
Para te dar um beijo.
Gostando inteiramente de todos os teus pedaços...

23.2.04



da gaveta

há quem cante no meio da multidão
e quem no meio da multidão recuse
a ideia de multidão que acuse
a verdadeira solidão que ocorre

17.2.04



man in chair, lucien freud





isto na sequência volteante de mim destituído de sentido
sentado ou despido ou isto assim razante ou pois
vacas nem polícias não coiso e tal que é
que nem sei se durmo hoje e ponto

14.2.04



o amparo da maria joão absolutamente necessário e acertado revela-me a dimensão do que ocorre com toda a dificuldade, na minha vida, por estes dias...



um recadinho

este ano está-me difícil, não sei bem que conjugações aqui se justificam, mas este está a ser um ano muito último, de dores últimas, percebem?, o elevador ascende e a música termina, estão a ver?, o acidentado diz que faz que mas ao fim e ao que nada soçobra que é como quem diz que estou numa grande enrascada, palavra do caralças, sim, foi caralças aquilo que eu quis dizer

10.2.04



(ao menino sebastião)


MONTE DA UTA


eu nesta mesa de papéis dispersos e o vento lá fora e o monte grande quieto
eu atafulhado de perspectivas e o monte exclusivo, singular
eu confuso e o monte sem fusos, omnipresente
eu parado no movimento dos neurónios e o monte no pedestal autoritário
eu climatérico e o monte simplesmente
eu monte e o monte colérico quem pensas tu que és
e eu no meu lugar de novo
nesta mesa de papéis dispersos e o vento lá fora
e o monte agigantado e eu vocacionado
para monte nos papéis pelo menos desenhado

31.1.04



ARROZ DE TOMATE

nesse dia a noite viera mais cedo - na verdade, o seu particular adormecimento fizera-se pelas quatro da tarde, era dia, e com os dados assim lançados proponho um brinde à aldeia à casa amarela às ruas outonecidas que se lhe dirigem à satisfação iniciática ao pão com fiambre de vez em quando.

30.1.04



OPERETA AZUL JASMIM

esta semana fui à ópera ver os pianos debruçarem-se sobre mim. lá fora magrebiava-se com determinação e estilo depois vemos. ao entrar nos não referidos ainda confins de mim percebi a motivação que me sucedera. dos céus felizmente negros a noite disse-se fria e breve e mas também contudo. gostei do vinho.

25.1.04



MIKLÓS



fehér



"ESTÁ MUITO MAL"

decorre em mim a incerteza que
se prolonga demorada
e insustentável

não sei
choro

22.1.04

HOJE OU ATEMPADAMENTE


hoje voltaram a acontecer-me coisas muito interessantes, coisas que
não vou dissecar absolutamente, antes encostadamente: depois do chá.


***

o frio como um despojo
lento atravessa as tuas mãos
a tua pele os ossos das tuas
mãos lentamente quando
a noite se insinua.

falavas sozinho e baixinho para ouvires
perfeitamente os sons de todas
as coisas à tua volta.



18.1.04



HOMEM DE BIGODE, AO MUSEU DA IMAGEM, BRAGA





um tempo e um modo

Qual é o olhar com que procuramos verificar o peso das coisas?

As manhãs são lentas quando o homem transporta consigo o tempo e o propósito. Entre o asfalto e a terra molhada faz um compasso de espera e determina um arrepio. Aponta com a mais elaborada intuição o caminho das estrelas que deslizam pela lama das ruas e se acrescentam às telas e às objectivas. A poesia é o sopro que embala o mundo de figuras e de lugares que lhe ocupam a simplicidade.

Qual é a forma da parte no todo?

O dedo aponta a estrada envolta nas mais frondosas e inesperadas árvores e então a memória é um exercício. Fecha os olhos e depois abre os olhos e depois pensa. E depois projecta as imagens de um mundo que se lhe diz desordenado. Desata e organiza e baralha os impulsos que a cidade lhe propõe e então propaga-se nas cores que se acertam e se desleixam, consoante o sujeito e a forma as reclamem. Presta e dispõe-se ao negativo adequado enquanto as palavras lhe sugerem os caminhos do esplendor e do espanto. Os conceitos dançam e suplicam a nudez da atenção desmesurada – o homem prudente não tem lugar neste homem, a sua mansidão é o movimento que possibilita o reflexo que perdura.

Como se admite e se diz o real?

O enredo implica a cor das nuvens e das lombas e das palavras que se insinuam sempre. Os objectos brotam de um humor perturbado pelo ângulo que se dificulta para logo a seguir se permitir. Mas a ordem relaciona-se com os sentidos que se querem sempre sentidos e estimulados. E então os planos absolutamente verificados dão lugar aos lugares relativamente contrários. As ruas e as pessoas fundem-se e o fotógrafo admite um clique que logo aplique o momento ao filme. O tempo passa e o modo é este.

14.1.04



TXIM* TXIM*

bom ano, bom ano, será que me esqueci de dizer tem um bom ano ao lhe olhar os olhos como agora o faço, já lá vão uns oito segundos? e então pergunto-lhe já te deseje..ejesed et àj :ela.

as palavras escritas têm um dom circular, berlíndico, escreveria mais tarde sentado ao computador. seriam nessa altura umas quê? quatro e meia cinco da manhã. não se lembrava de mais nada.

12.1.04



(ai)

queria muito ter-te visto e abraçado muito e sem to dizer dizer-te com beijos boca dentro abraços corpo todo que espero que tenhas as paisagens lindas todas no olhar. linda é a palavra que podias ser tu se tivéssemos que ser palavras que nos sintetizassem ou então tudo e que quando voltares o faças e me visites ou então eu vou aí ver-te bem sei que te levo comigo para todo o lado e que portanto te amo acho eu senão vemo-nos à noite quando a memória se entretém a espreitar um sorriso de que gostámos.

não vi o meu mail a tempo e portanto não ouvi as palavras que me disseste ao ouvido, até já meu amor tem os cuidados contigo e leva sempre um beijo meu na algibeira e que o ministres consoante os ventos e as manhãs.

9.1.04



VENHO JÁ OU ENTÃO NÃO

bem disposto, a caminho do silêncio escandinavo do meu amigo feijó (no deslize).

7.1.04



DA BELISCADELA DELE



6.1.04



A FAMÍLIA FANECA

(entre erecções)
Ambiciono a textura escarlate que aveluda o tornozelo
e torno o zelo dificultado e premeio o texto que imputo ao dito
e aninho a curvatura e depois não choro.

(entre panelas)
Pretendo um pretexto que me queime as fanecas todas
enquanto a lágrima que me despe sempre toda
se seque toda toda.

(entre papéis)
Intento o desaire absoluto num luto de whisky e queijo
e pálpebras que me não remetam para combates
e lágrimas de que estou cansado.

3.1.04



HÁ FESTA NA FALPERRA

Era o dia da festa e o vento deitava-se como os seus olhos se riem. O dia começava e isso, por si só, era-lhe agradável. Mas o carro não estaria ainda com vontade de se mover. Fez-se assim à estrada, que é como quem diz que se deu à sorte. O acaso casava com a vontade não manifestada de se cumprir e isto de um gajo se cumprir tem que se lhe diga, que é como quem diz que demora horas. Aprontou-se então com o vagar pedreste que ganhara e entrou em casa. É de pé que lhe sucede fechar os olhos e sonhar com infantis e preenchidas viagens. As músicas e as mãos do seu pai e os olhos da sua mãe e as árvores e o sol e os homens. Inspirou fundo e não começou a dançar imediatamente. Sairia de casa já noite e já suficientemente lambido, que é como quem diz afagado. Ainda não sei como acaba esta história.



ATÉ LOGO

quem te não viu anda cego
quem te não amar não vive
e tens toda a razão zeca
toda a razão

31.12.03



BOM ANO PARA MIM

Meu absurdo e intolerável modo de estar: queria dizer-te que as árvores de fruto estão carregadas e que as mulheres da minha vida se ausentam sempre que eu me aproximo. Qual é a relação, perguntas tu, provocador, insidioso, de arrogância lenta. Digo-te que não sei. As árvores estão entre a terra o céu, como as minhas mulheres. A faculdade do movimento diferencia-as, parece-me. Umas dispõem-se e outras nim. Eu? Eu danço com a rainha do jazz entre as árvores e o céu que vislumbro quando penso nos beijos cheios do amor que trepida. Não me distinguindo; tolerando-me apenas porque há amanhãs que desconheço.

20.12.03



BEM VINDA



15.12.03



MAGNUM MAGNIFICAES

Um clima psico tropical é um drama
de têmpora mental
tal como tu és uma criança
de fundo letal e eu vento
me arrisco e desvio do mal
que escolho ao bem que prefiro.

9.12.03



VENHAM TODOS, VENHAM



6.12.03



SEI LÁ



 

eu gosto muito de tu às vezes não sabes

que eu quero que tu te fodas e eu também

às vezes não

 





(sem data)

Ai aquilo que eu te amo não é deste mundo
não é sequer de um mundo que me seja próximo
ai aquilo que eu te desejo la la la

Ai ai

Ai

Pum!

4.12.03



O PROJECTO REQUIEM

Um dia atrás do outro faz do mesmo
um carro à frente dum gajo

inadvertidamente

Baralha-se três vezes
Depois vê-se



OS NOSSOS NÓS

O frio desata os nós que fomos dando sem sabermos
que os nós que nós demos são se quisermos
os nós que desatarmos.

(Esfregar as mãos; Roçar os pés)

25.11.03



DISSO

Do acordo no calor de olhar o detalhe
do sorriso na voz de benefício ao sorriso
de olhar o afecto num desvio de fim



EM SILÊNCIO

Correr célere por entre os interstícios noctívagos e divagar pelos delírios que atordoam – dói tudo quando o cansaço é uma manhã lenta e difusa. Encostar-me às paredes nuas e frias e permitir o esquecimento relativo que se alimenta do silêncio que inauguro. Tactear o espanto e não dizer nada.

20.11.03



FRÁGIL

A senhora não se lembrava onde morava. Repetia baixinho lamentos discretos. Os cabelos brancos, soltos, escreviam cartas às primas afastadas porque sim. As mãos espantosamente delicadas susurravam aos pequenos histórias da aldeia dos avós. Quando me olhou não disse Ernesto, vai pró campo que o teu pai precisa de ti. Também não era preciso. Fui a correr. E a chorar.

31.10.03



VOILÁ

E da chuva irrompe a etérea leveza: o júbilo refeito e dançante.

21.10.03



ESCREVERÁ

Arruma a saia e diz o que ainda não dissera toda a tarde.



DECRETO MAS POUCO

Pára o automóvel azul claro no semáforo que logo ali se incendeia: o rubor. Mais à frente, interstício achocolatado e cigarro abotoam-se. Envolve toda esta dificuldade um tempo que se faz caído. Na luminosidade. No cantinho. Um must.

10.10.03



ENTENDIMENTO

à menina em paris

Podia dizer que me lembro bem dos beijos que nunca demos. Mas não, vou antes falar-te do entendimento, conceito tão do agrado dum grego cujo nome me não ocorre. O entendimento é bom. Gosta-se. Há pouco pensei o seguinte: moí­do mas mais feliz! A moagem é um processo secular. Envolve todas as lágrimas que juntarmos e todos os saberes que juntarmos e todos os beijos que nunca dermos, e depois, como que por milagre, olha-se mais uns segundos apenas para o corpo que nos está defronte e apetece-nos de imediato um abraço que traga um aperto nos olhos bem abertos mas fehados e solenes.

O café está com poucas pessoas. Fala-se sobre assuntos já ocorridos e sobre assuntos ainda não ocorridos. Sinto a falta de qualquer coisa. Olho para o meu lado esquerdo e vejo-te e vejo que estás linda, não me surpreende a surpresa que me causas sempre e depois pronto embarco rumo à  cidade dos edifí­cios que ornamentam os cantinhos da minha memória desde que me conheço e então inspiro e percebo que sim, é isto.

4.10.03



JOHNNY MEETS COMMY

Johnny não é Jonhy. E o entardecer às vezes esgota a pinta e pisca o olho mas não se repara. Quando se repara não se pega num cigarro nem se arrisca olhar para o lado. Em Paris as canetas mais gastas do Johnny encontram-se com os devaneios do amigo fictí­cio do meu irmão mais novo, o Comi, ou será que sempre foi Commy? Uma maçã amarela mais o Solnado num fim de tarde à  beira-mar. Falam sobre o azul.

23.9.03



A PROPÓSITO

Hoje encontrei um berlinde no saldanha.
Era o mais lindo de todos: brilhava
como uma manhã irrequieta.
Deixei-o estar no mesmo cantinho.
E disse baixinho: agora és meu.

21.9.03



CARTA A UM PESCOÇO ESSENCIAL

Foi nessa tarde que aconteceu ter-me percebido no futuro. Tinha a idade dos pássaros nos dias da poesia amanhecida, tinha as noites nas profundezas das dúvidas arrumadas em personagens incertas. Cuidava dos perigos com carinho, lavado e de barba feita. Viajante de mim.

Estava um dia claro, a luz parecia caída em golfadas lentas, entorpecidas, desmaiadas. O calor não se ouve: é insidioso, pleno de lamúrias. Julgo que tinha sede. Não fora teres-me visto e olhado e te ter visto e percebido que nos víramos a sério, um ao outro, num instante quase demorado, e diria que caía. Assim, fui apenas levando-me sem ter local aonde ir ou assunto que tratar. Tinha-te em mim e só essa visão importava.

Curiosamente foi tudo muito rápido, percebo-o agora. Saltei um pedaço de merda de cão e concentrei nessa impulsão muscular derradeira os esforços das palavras e dos arrepios. Recordo-me de não ter chegado a cair, de não ter chegado a perceber. Penso que adormeci ou me esqueci de viver, nesse segundo. Desde então pairo resolvido nos momentos seguintes aos minutos que ainda não aconteceram, ou então já, não sei bem. É nesse tempo sem tempo que tudo acontece. Abrem-se os olhos e convida-se alguém para dançar. Depois do primeiro beijo, normalmente, surge o transistor do Alba a anunciar sinfonias. Olham-se os olhos que nos olham e brilham e já está.

15.9.03



JOHNNY NATE - party over

Em frente ao silêncio descubro-me nu. Uma única luz envolve a sala que agora tem outra vez música. Começou de repente, muito lentamente, e eu agradeço que assim tenha sido. O Jonhy partyu-se. Ao vê-lo cair e estrebuchar apenas ligeiramente apeteceu-me sorrir. Sorri. Uma mulher de vestido castanho aproximou-se. Já tens companhia para férias? Eu disse-lhe que ia ali e já vinha. Quando vim ela não estava.

4.9.03



JOHNNY NATE - party 4

Café com cheirinho, senhor Jonhy? Que sim, era poeta:

eu agora flutuo nas águas
dos murmúrios essenciais
e fumo nos hiatos de sol
as inteirezas dos demais

eu agora cresço à sombra
do riso das meninas que tais
e permito à vetusta ligeireza
um pedaço de nunca mais

eu agora sossego a argúcia
e não me celebro no lodo do cais
vou e venho ao sabor da minúcia
das únicas palavras vitais




JOHNNY NATE - party 3

Era uma manhã de uma quarta ou quinta e a pastelaria estava preenchida. Adolescentes e velhotes. Olhei em volta. Estaria a falar para mim? Enquanto arrumo o isqueiro percebo que nada seria como antes. O homem já me escolhera. Eu sou o Jonhy, disse. Quero tomar um café contigo e contar-te a minha vida. Não disse absolutamente nada. Fomos.

3.9.03



JOHNNY NATE - party 2

Isto foi o que o gajo me disse depois

não sei se me sinto bem quando faço as coisas bem feitas
como não sei se adoro esta música só porque a adoro
enfim quero mais jardins para poder pracear
têm que ter uns quantos quatro bancos
não sei se me sente se só respire
fundo e olhe o que não vira
e então pronto suspire
que já tá

31.8.03



JOHNNY NATE - party 1

Dia um de Jonhy Nate. Apareceu na minha vida de repente. Um autocarro e uma travagem brusca. Ele era o autocarro. Bem, isto só perceberia mais tarde. Naquele momento era apenas um homem a pedir-me lume. Dei-lhe e..

27.8.03



ACABARAM AS FÉRIAS

Hoje mudei-me para a sala. Instável é uma palavra. Bolinha branca entre a mão e o céu num filme a preto e branco. A branca da bolinha e o branco do filme, em dizeres de sono, estreitam verificações. Ou então intranquilo.

18.8.03



OS DIAS LONGOS

I

Esta história é muito séria. Primeiro porque é verdadeira e incrível e isso, hoje em dia, parece ser muito importante. Depois porque tem a ver com o tempo a andar para trás. Esta é a história do homem de cinquenta e nove anos que decidiu viver um dia de cada vez. É a história dos homens que verificam o peso das coisas. Este, o nosso homem, tinha vontade de ir ao banco.

O que este homem desconhecia, aquilo que afinal todos desconhecíamos, era que as adversidades, montículos de nada em cima de coisa nenhuma, se podiam facilmente ultrapassar. Vai perceber isto mais tarde. Não imaginou nunca foi o verdadeiro alcance do que lhe estava para acontecer. Quando se olhava ao espelho sentia-se relativamente bem.

Aconteceu que cada dia da sua vida, cada dia de novo vivido, passou a ser um dia… a menos. Tal sucedimento não foi imediatamente percepcionado. Os três primeiros anos desde que tomara a decisão de que vos falo, foram os seus melhores anos: “Viver um dia de cada vez”. Não se sentia envelhecer. Aliás, isso nem sequer lhe passava pela cabeça. Continuava com as velhas rugas de sempre, é certo, mas não se lembrava de ter adquirido alguma nova. O estômago, esse órgão tão incomodado e sensível, parecia tolerar melhor alguns excessos. Olhava as folhas do jornal a seguir ao almoço e não adormecia quase de imediato. Só se lhe apetecesse. Andou nisto sem se questionar acerca da sua nova vida. Digo bem: da sua nova vida.

Façamos uma breve apreciação ao dia inicial. No dia dezanove de Julho o nosso homem foi ao banco. Há já seis horas que o tempo invertera a sua ordem natural. Cartão de crédito: Edgar Pereira. Disposição: Boa. No trânsito ouvira Miles Davis. Nem mau tempo nem muita gente na fila. Pensou que era chegada a altura de fazer uma pequena loucura. Há anos que pensava comprar uma casa de férias na praia. Naquele dia, o mesmo em que tudo começou, Edgar iria tratar dos últimos papéis. Cento e cinquenta metros quadrados de um piso só, a cem metros do mar. Ia comprar tempo, costumava dizer aos amigos.

Edgar era um homem muito charmoso. Tinha um nariz relativamente grande e a face perfeitamente adequada ao tamanho de tudo o resto. Também os seus lábios e pele haviam sido comentados na sua juventude, entre as mulheres. Vestia com distinção e algum arrojo, combinação que o demarcava dos demais. Ao atravessar a rua não reparou na ex-mulher, do outro lado da marginal. Não quis saber das horas no momento em que ajeitou o relógio e sorriu. O movimento na passadeira para os peões pareceu-lhe igual aos dos demais dias. Não olhou para o lado.

Ela reparou nele, claro. Um determinado brilho nos olhos. Ângela Pereira. Camisa desabotoada. Saia pelos joelhos. Quarenta e tal de subtileza e fascínio. Preguiçou o passo e viu Edgar entrar no banco. Ela também lá ia. Tinha recebido umas massas e precisava de depositá-las. Entrou ele primeiro que ela. Ângela fingiu uma dificuldade para poder tropeçar em Edgar. Um braço estendido, a roupa amarfanhada, faça o favor de desculpar, ah! és tu pá, só me falta apareceres na sopa – eis a sequência do acidental encontro. Que não, não leccionava mais, não mais encaminharia os putos para as suas certezas e para as suas incertezas. Agora pinto. Ainda não viste a minha exposição?

II

Edgar gostava de arrumar pequenos papéis por cima dos antigos problemas e objectos do seu escritório. Gostava muito de escrever. Actualmente desassossegava-se numa curiosa lista de prazeres. Só muito depois de se afastar de Ângela pensou que teria que acrescentar à sua inacabada lista os encontros repentinos com as ex-mulheres. Naquele momento apenas apreciou a frescura da sua ex., dissimulando a vontade de a convidar para irem beber um copo. Ângela sempre fora mais expedita. E foi já em frente de um Martini Bianco que a nossa quarentona lhe falou de Sérgio.

Sérgio Pais não andava feliz. Conhecera Ângela num parque de estacionamento. Chorava em silêncio olhando o automóvel parado. Ângela reparara nas lágrimas que saltavam daqueles olhos grandes e azuis. O seu carro estava em frente ao dele. Saiu do carro e convidou-o a tomar um chá no café em frente. Sérgio estendeu a mão esquerda e segurou a mão de Ângela. Estiveram assim trinta segundos sem falarem de absolutamente nada. Depois foram conversar. «Isto foi há três meses e desde então é o meu melhor amigo.»

Alguns dias depois (antes?) da conversa entre o nosso casal, Edgar ouve falar de novo do tal amigo de Ângela. Era vizinho da sua última conquista, Daniela, e pelos vistos andava a inquietar todo o prédio. Que por vezes dormia no jardim, que se passeava pelos corredores, de cuecas, sussurrando poemas de Al Berto e Pessoa, que presenteava as crianças com cantilenas improvisadas e anarcas, enfim, uma data de posturas pouco condizentes. Mais um tolinho para a Ângela tratar, pensou, sorridente, Edgar Pereira.

Recordam-se de vos falar que para o nosso homem, o tempo estava a andar para trás? Pois bem, dois anos e meio após os acontecimentos mencionados, encontrava-se Edgar na sua nova casa bebericando um Gin Tónico quando aparece Ângela. Haviam combinado almoçar uns robalitos grelhados. Ângela ficou estupefacta com o aspecto de Edgar. Eu ainda me apaixono outra vez por este gajo, pensou enquanto lhe disse com sinceridade que lhe parecia óptimo. Edgar sentia-se de facto óptimo. Perguntou pelas filhas e percebeu que nem tudo ia bem.

O maluquinho estava a viver com a ex-mulher e as filhas! Os robalos quase saltaram dos pratos. O cenário de paz absoluta conhecera um revés. Mas o que é que te deu na cabeça? Não deves estar boa! Só ao final do dia se decidiu a conhecer Sérgio. Ângela contara-lhe que o seu namorado estava convencido que estava a rejuvenescer, que houvera um qualquer clic de que não se apercebera e que a partir daí era só saúde. Edgar já andava ensimesmado com o seu próprio estado. Porra, queres ver que os gajos que passam pelas mãos desta gaja ficam todos mais novos? Pronto! Iria visitar as filhas e conhecer o Sérgio. Desculpar a pressa não fazer mal é a alma dos nossos negócios. Ela ainda trabalhava. Directora de revista literária. Tanta coisa que eu tinha a dizer Eu também Por favor aparece mesmo Sim claro que vou disseram os pares de olhos àvidos uns dos outros.

O jantar começou formal e acabou infernal. Sérgio era realmente louco e o factor paternal sobrepôs-se claramente ao factor este gajo parece que tem vinte anos. Que nem pensar, as filhas iam imediatamente para sua casa. Não se discute, quando quiserem apareçam por lá, faço um peixinho delicioso, não é querida?, provocou. Tentava, à sua forma, satisfazer diferentes objectivos com uma só decisão. Ah! Que bem me sinto! Se este gajo se arma em parvo vamos ter merda. Isto numa contracção de maxilar muito característica do nosso «jovem» e que constituía a sua arma de sedução mais eficaz.

Uma semana depois lá estavam os cinco, os ainda adultos e as crianças. O tempo ameaçava chuva pelo que Edgar optou por uma carilada de frango. Agora pode também supor-se que o picante da refeição possa ter ajudado a elevar os calores emocionais. Edgar de camisa azul impecavelmente desarranjada e barbear perfeito, meu deus como este homem está bonito! Sérgio de t-shirt preta larga e de calções, este gajo não bate bem, com este frio... Os dois rebolando pelo chão aos tabefes um no outro. Não houve murros, ou chutos ou mordidelas. Só chapada velha. Seria um código de conduta entre os que sofriam de mal tão generoso?

O que resta desta história é abreviado: Ângela e filhas de malas aviadas para casa de campo dos pais. Haveria outros gajos na vida da bela Ângela Pereira. As filhas cresceriam pujantes e desiquilibradas. Edgar e Sérgio espatifados em antidepressivos e ataques súbitos de paixão adolescente. Era vê-los nas discotecas in a meter paleio com o sexo oposto. Foram anos loucos aqueles. Depois cansaram-se e foram preparar-se para o nascimento, o longo mundo do desejo e dos gestos silenciosos. Nunca se ouviu falar nesta história nos meios de comunicação social. Eu não contei a ninguém! E não conto! Pim.